O Passado em Ruínas: O Abandono da Identidade Histórica de Cruzeiro do Sul

Cruzeiro do Sul, a “Princesa do Juruá”, enfrenta um dilema melancólico. Ao caminhar pelo centro da cidade, o que deveria ser um passeio pela memória e pela rica história do ciclo da borracha se transforma em um testemunho silencioso do descaso público. O passado da cidade não está apenas se tornando distante; ele está se apagando fisicamente, consumido pelo tempo, pelo abandono e pela omissão das autoridades locais.

A história está indo embora, e a nova geração corre o risco de herdar uma identidade apagada, sem raízes visíveis que contem a saga de uma das cidades mais importantes do Acre.

A agonia da Casa dos Ruela

Um dos símbolos mais pungentes desse esquecimento é a antiga Casa da Família Ruela. Erguida em 1940, em pleno período da Segunda Guerra Mundial, a construção imponente em um morro no centro comercial da cidade já foi o lar de Joaquim Maria Ruela, um português que desembarcou no Acre durante o auge da borracha e se tornou um influente seringalista.

Hoje, essa construção histórica está em completo abandono. A estrutura se deteriora a olhos vistos, e o que deveria ser um patrimônio preservado é apenas uma lembrança dolorosa para os cruzeirenses “pé rachado” que passam por ali. A omissão diante desse cenário é um atestado de que a valorização do passado é apenas retórica.

O Cais: De porto vital a abrigo de rua

Outro ponto nevrálgico da história de Cruzeiro do Sul é o Cais. Inaugurado em 7 de setembro de 1912, projetado e construído sob a orientação do Capitão Rego Barros, o local foi outrora um porto vital, o coração pulsante da logística do Juruá durante o ciclo da borracha.

A realidade atual é desoladora. O Cais está sujo e abandonado, servindo de abrigo improvisado para moradores de rua. O símbolo histórico se apaga mais uma vez. A alteração natural do curso do rio ao longo do tempo afastou a margem da estrutura, inviabilizando a atracação de barcos, e o espaço foi reclassificado como praça pública. No entanto, a mudança de função não justifica o estado de degradação, que reflete a falta de compromisso do poder público com a manutenção da memória coletiva.

O Museu e o Teatro

A situação do setor cultural não é diferente. Desde 2015, o Museu e Memorial José Augusto e o Teatro José de Alencar permanecem fechados. Localizados na área central, os espaços acumulam anos de deterioração.

O Museu é um repositório de valor inestimável. Abriga o memorial de José Augusto, o primeiro governador do Acre eleito por voto direto em 1962, além de um acervo rico em doações de famílias tradicionais, padres e missionários, que contam a história dos hábitos, costumes e da economia da região do Alto Juruá. Peças sacras, moedas antigas e objetos do cotidiano estão trancados, longe dos olhos do público, aguardando uma reabertura que parece sempre distante.

Homenagens invasiva

Não adianta fazer homenagens protocolares à cidade em seus aniversários se a história material que a sustenta é deixada para trás. A cobrança deve partir daqueles que amam Cruzeiro do Sul, de seus munícipes que veem a “Princesa do Juruá” perder seus monumentos mais valiosos.

A preservação do patrimônio histórico não é um luxo, mas uma necessidade para a formação da identidade das futuras gerações. O passado se apaga a cada dia de omissão, e cabe à sociedade e, principalmente, às autoridades, reverter esse quadro antes que a história de Cruzeiro do Sul se torne apenas uma nota de rodapé em livros que já não terão mais testemunhos físicos a mostrar.