Diversos povos indígenas divulgaram nesta segunda-feira, 21, um manifesto no site da Comissão Pró-Índio (CPI/AC) criticando a falta de transparência em relação ao projeto que prevê a construção de estrada entre as cidades de Cruzeiro do Sul, estado do Acre, e Pucallpa, departamento de Ucayali, Peru.
Caso seja concretizado, a estrada passaria por cima de uma área de proteção integral, o Parque Nacional da Serra do Divisor, na fronteira com o Peru – hoje, dono da maior biodiversidade de toda a região. Os estudos mostram que a nova estrada cortaria o parque ao meio, até bater na fronteira com o Peru.
Para além de acenos diplomáticos, especialistas afirmam que o novo projeto ainda teria de lidar com questões ambientais, a começar pelo impacto a terras indígenas. Há três terras demarcadas pelo caminho. Duas delas – Terra Nukini e Terra Jaminawa do Igarapé Preto – ficam a 32 quilômetros de distância da rota planejada. Há ainda uma terceira, a terra indígena Poyanawa, que se avizinha do próprio acostamento, com apenas 1,5 km de distância do traçado.
O manifesto é divulgado em um momento de crescente mobilização indígena, com o Acampamento Levante Pela Terra, em Brasília, que hoje conta com a presença de mais de 850 indígenas, de 47 povos, reivindicando a manutenção de direitos, principalmente, territoriais.
No documento, os indígenas argumentam que o projeto vem sendo discutido sem a participação dos povos que serão impactados pela construção da estrada e alegam que os passos para definição de recursos e contratação de serviços de engenharia estão atropelando o direito à Consulta Prévia, Livre, Informada e de boa-fé prevista na Convenção 169 da OIT, na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e na legislação brasileira (Decreto 5051 de 19 de abril de 2004).
“Manifestamos enorme preocupação com ações planejadas para a nossa região sem a nossa participação. Projetos que pretendem incidir em nossos territórios e afetar definitivamente nossas casas e nossa vida não podem ser planejados sem considerar a nossa existência. O projeto de construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa está sendo encaminhado pelo governo federal brasileiro sem transparência, sem discussão ampla com a sociedade sobre os interesses envolvidos e sem respeito ao nosso direito de sermos consultados previamente sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que nos afete”, diz trecho do manifesto.
Em maio, o Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT) lançou edital para contratação de empresa para elaboração do projeto de construção do trecho de 142 km entre a BR 364 e o Boqueirão da Esperança, na fronteira com o Peru. No Peru, o Congresso aprovou um Projeto de Lei que autoriza a construção da estrada no trecho que partirá de Pucallpa em direção à fronteira brasileira.
Em outro trecho, os indígenas destacam que sequer foi realizado estudo de impacto ambiental e nem análise prévia de viabilidade econômica e socioambiental para a construção da estrada.
“O projeto de construção acarretará destruição da floresta nativa e cruzará mais de trinta corpos d’água, impactando uma área de grande diversidade ecológica e cultural. Trará desmatamento, invasão, poluição aos rios, afetará a segurança hídrica, espantará a caça e trará problemas sociais que desconhecemos”, alegaram.
“Sabemos que estradas não trazem benefício para as populações locais. Trazem a oportunidade para que interesses de fora acessem as riquezas locais, transformando as comunidades em mão de obra temporária e deixando, como legado, desmatamento, grilagem de terra, violência, conflito e degradação ambiental. E quais são os interesses de fora que chegarão com a estrada? Em especial, o interesse em invadir os territórios, em extrair madeira ilegalmente e de promover a mineração e exploração de recursos do subsolo”, acrescentaram.
Os indígenas alertaram que a construção da estrada afetará diretamente as Terras Indígenas Puyanawa, Nawa, Nukini e o Parque Nacional da Serra do Divisor. Afetará, também, as TI Jaminawa do Igarapé Preto, Arara do Rio Amônia, Kampa do Rio Amônia, Kaxinawa-Ashaninka do Rio Breu, além das comunidades tradicionais da Reserva Extrativista do Alto Juruá e dos projetos de assentamento e cortará o território dos povos em isolamento voluntário que vivem na Reserva Isconahua, em parcelas do Parque e na Reserva Comunal Alto Tamaya Abujão, além das Comunidades Nativas San Mateo e Flor de Ucayali, dos povos Ashaninka e Shipibo-Conibo, no Peru.
“Vivemos em uma região de grande riqueza sociocultural e de biodiversidade. Sabemos disso. Toda essa riqueza construída pela ciência dos nossos antepassados, alimentada pelo nosso modo de vida e pelo conhecimento compartilhado nas comunidades não pode ser desconsiderada ou vista apenas como algo a ser apropriado, transformado, destruído e devastado para enriquecer poucos e empobrecer muitos. Temos compromisso com o nosso futuro. Queremos escolher nosso modelo de desenvolvimento, com ações que melhorem a qualidade de vida e que sejam ao mesmo tempo sustentáveis, que se sustentem por muito tempo para que nossos netos e netas vivam bem. Atividades sustentáveis que produzam renda para as populações locais, ao mesmo tempo que sejam planejadas para garantir a conservação da natureza e das águas. Denunciamos à sociedade os interesses e os impactos que a construção dessa obra trará para a nossa região e para nosso direito a um futuro com qualidade de vida, dignidade e paz”, encerram.
O manifesto foi assinado pelas seguintes segmentos indígenas:
Associação dos Kaxinawa do Rio Breu – AKARIB
Associação Indígena Nukini – AIN
Associação Katuquina do Campinas – AKAC
Associação do Povo Indígena Nawa – APINAWA
José Ângelo Apolima Arara – Terra Indígena Arara do Rio Amônia
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC
Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC
Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira – OPIRE
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá – OPIRJ
União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB
Instituto Yorenka Tasorentsi
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